Refúgio Biológico de Itaipu é “laboratório vivo”, diz médico-veterinário
Pedro Teles lembra que Refúgio é “representante” dos 38 mil hectares de florestas restaurados pela usina, só na margem brasileira
O Refúgio Biológico Bela Vista de Itaipu tornou-se, ao longo dos anos, uma vitrine de conservação ambiental. A partir desse “laboratório vivo” são desenvolvidos centenas de pesquisas, programas, protocolos e publicações científicas que fazem do espaço um caso de sucesso mundial em relação à preservação da fauna local, que se estende por milhares de hectares de florestas às margens do lago de Itaipu, entre Brasil e Paraguai.
Com menos de cinco anos de casa, o médico-veterinário Pedro Teles, um apaixonado pela ciência, tem feito uma revolução na condução e aplicação de diversos estudos no Refúgio. Ele brinca que não faz ciência, mas acredita que só por meio da pesquisa e sua aplicação podem ser dadas respostas concretas à melhoria dos procedimentos de conservação ambiental e evitar a extinção das espécies de animais.
“A pesquisa acadêmica é importante porque abre os horizontes, faz compreender o mundo. Ela é primordial para todos os lugares. A principal função da pesquisa é gerar avanços na qualidade de vida da população.” Ele defende que toda a nossa área seja pesquisada o máximo possível. Nisso entram a fauna, as florestas, os peixes e as pessoas que ocupam o território.
Para ele, o Refúgio Biológico Bela Vista é importante para mostrar ao mundo o que a Itaipu faz com o meio ambiente. “Ele é um excelente demonstrativo de todas as áreas protegidas, mas a gente tem que saber que só é um representante. Atrás dele nós temos, basicamente, 38 mil hectares de florestas restauradas e fauna circulando.”
E complementa, lembrando que o Refúgio tem quase 2 mil hectares de áreas protegidas, que se somam a mais 43 mil hectares nas margens brasileira e paraguaia, totalizando 45,3 mil de matas nativas e reflorestadas. “O Refúgio Bela Vista mostra, de uma maneira muito harmônica, como as pessoas trabalham o meio ambiente ao lado de uma usina hidrelétrica. Aliás, junto de uma hidrelétrica; é parte da usina”.
Para o médico-veterinário, “Itaipu teve a sorte e a felicidade de ter pessoas iluminadas, inspiradas, engenheiros que, na época, traçaram o plano ambiental, que criaram as áreas protegidas, entendendo que esse espaço não seria um gasto a mais; não seria algo para aparecer ou atender a uma legislação ainda incipiente, mas algo que ajudaria o negócio principal da empresa, que é gerar energia, porque cuidar de meio ambiente é isso, é cuidar da origem da nossa matéria-prima”.
Mestrado
Pedro Teles, hoje, prepara-se para iniciar um mestrado que tem como linha a abordagem de como um grande empreendimento elétrico pode contribuir com a conservação ambiental. A ideia é replicar esse trabalho, depois, para outras usinas e grandes empresas, embora os refúgios e reservas biológicas de Itaipu já sejam grande inspiração para outras hidrelétricas do Brasil e fora do País.
Para elencar esse universo de estudos, Teles conta sobre alguns dos convênios que vêm sendo desenvolvidos no Refúgio em parceria com instituições acadêmicas. E são inúmeros.
Vacinas
Há três anos, ele vem trabalhando num convênio com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para desenvolvimento de uma vacina para prevenção de doenças hemorrágicas e da língua azul para veados e cervos. A medida é muito importante para salvar a vida desses cervídeos. A Itaipu financia a pesquisa e a universidade entra com a expertise, já que são especialistas nestes vírus, que têm impacto na vida selvagem e também na economia, ao afetar animais de produção.
Teles lamenta que há muitos anos a usina tem perdido muitos exemplares dessa espécie, por falta de uma imunização específica e eficaz. Hoje, a empresa conta com um plantel de 43 cervídeos e todos os anos há uma perda média de três desses animais. Já houve época em que a situação foi ainda pior, com a perda de 18 deles.
O médico-veterinário explica que a doença que ataca os cervídeos se assemelha à dengue nos humanos. A técnica já está sendo testada na Itaipu e se estenderá para outros locais, dando esperança também para os animais que estão circulando livremente pelas nossas florestas e sofrem declínios populacionais. A ideia é que a vacina já esteja pronta neste ano para garantir mais resistência aos animais dessa espécie.
Padronização das harpias
Pedro Teles também comenta sobre as harpias, lembrando que temos o maior plantel do mundo da espécie, atualmente com 33 exemplares. No Refúgio já nasceram 56 dessas aves, grande parte doada a outras instituições. Na nova pesquisa são desenvolvidos rádios-colares, telemetria, genética e padronização hematológica dessas aves, o que dá um panorama mais preciso sobre a espécie, pela quantidade de amostras coletadas e examinadas.
Além da questão genética das harpias, também está sendo feito um protocolo semelhante em relação ao veado-bororó. São 40 exemplares no Refúgio. A proposta é criar um programa de conservação dessa espécie tanto no Brasil quanto na América-Latina, já que esses animais vivem exatamente em nossa área de atuação na tríplice fronteira. Os estudos genéticos servem para descrever bem a espécie e manter esses animais circulando entre nós.
Onças-pintadas
Outra grande perspectiva de estudo diz respeito aos filhotes de onças-pintadas. No RBV, vivem atualmente quatro onças-pintadas: a Nena, o Valente, a Arapuã e a Jataí. Num novo acordo de cooperação com o Parque Nacional do Iguaçu (PNI), a ideia é fazer com que filhotes de onças ajudem na reprodução de novos exemplares naquela unidade de conservação já nos próximos anos. “Pretendemos adotar técnicas para colocar as nossas onças para a reprodução naquele espaço, com os animais de vida livre. O Parque Nacional é considerado o último refúgio seguro delas na Mata Atlântica, embora haja uma grande ocupação humana no entorno da região.”
Pumas
Também está em estudo o monitoramento e deslocamentos dos pumas, com a colocação de colares em alguns animais que vivem na nossa área protegida. Essas respostas são importantes para definir os corredores e as áreas de conexão desses animais de dentro do refúgio com os que vivem nos arredores.
Em relação à biodiversidade como um todo, a Itaipu e o Parque Tecnológico Itaipu (PTI) mantêm um convênio para fazer um levantamento das aves, morcegos frugívoros, serpentes, lagartos, marimbondos e abelhas, entre outros, sem levar em conta a questão botânica, que também é gigantesca.
Monitoramento
Outra pesquisa, mas de forma permanente, conta Teles, é o monitoramento contínuo do Refúgio, com 20 pontos amostrados por câmeras que flagram a fauna, principalmente mamíferos médios, entre os quais gatos-mouriscos, gatos-pequenos e lontras, entre outros. A intenção é identificar por onde eles circulam e escolher um local apropriado para que tenham conforto e segurança de se reproduzir e compreender como coexistir com a área industrial e demais atividades humanas da usina.
Biodiversidade rica
“A expectativa é que quanto mais a floresta fique madura, tenhamos maior quantidade de espécies amostradas, o que nos serve de indicador.”
Também está em andamento um projeto-piloto sobre atropelamento de animais. Embora já exista um trabalho nesse sentido, a proposta é melhorar o programa para uma boa coexistência entre pessoas que circulam na usina e a conservação de animais.
“Nosso primeiro foco é manter os animais que já habitavam na área, para que eles possam existir por muitos anos. Quanto mais biodiversidade, mais recursos nós temos. Uma floresta que tem onças, harpias e outros animais, retribui em muito em qualidade de vida para a população, com água boa, grandes reservas e locais bonitos para passear, contribuindo especialmente para a saúde mental das pessoas.”
Ele dá alguns exemplos: “Existem questões que a gente sequer descobriu ainda, mas há a polinização, por exemplo. Quanto mais abelhas temos e mais elas polinizam, maior a saúde das florestas, o que melhora a qualidade da nossa matéria-prima, que é a água.” E acrescenta: “O Brasil só é rico em energia hidrelétrica porque ainda é rico em biodiversidade e florestas; uma coisa não existe separada da outra. Estamos convertendo o movimento de águas, a energia da vida, em energia elétrica, e devemos retornar isso ao meio ambiente e às pessoas que o integram”.