O Paraguai tem “sete ruínas” Jesuíticas. Três no departamento de Itapúa e quatro no departamento de Misiones

O Paraguai também tem um departamento chamado Misiones, além da Argentina. Das sete, só duas estão na lista da Unesco do Patrimônio Cultural Mundial: Jesús e Santísima Trinidad del Paraná. 

Por Jackson Lima*

Richard Gómez recebeu o grupo de jornalistas em Jesús de Tavarangue. Jackson lima está à esquerda da foto

 O Paraguai tem “sete ruínas” Jesuíticas. Três no departamento de Itapúa e quatro no departamento de Misiones. Não é Misiones, Argentina. O Paraguai também tem um departamento chamado Misiones. Das sete, só duas estão na lista da Unesco do Patrimônio Cultural Mundial: Jesús e Santísima Trinidad del Paraná.

Das três que conheci junto com um grupo de jornalistas paraguaios convidados pela Secretaria Nacional de Turismo (SENATUR), a que mais me demanda esforço para escrever sobre ela é a que se chama Jesús de Tavarangué. Na viagem conhecemos Santísima Trinidad del Paraná, Jesús (na mesma noite) e San Cosme y San Damián, pela manhã do dia seguinte.

Ainda no começo da viagem, antes de deixarmos a Ruta I que parte de Ciudad del Este em direção a Assunção e girar à esquerda para a Ruta 6 rumo a Encarnação, perguntei alguma coisa à turismóloga e coordenadora da viagem, Shirley Pedrozo, sobre as ruínas. Ela respondeu e acrescentou que a palavra “ruínas” não está mais em uso e disse por quê. Uma ruína se reduz a pedras e  está abandonada Já as missões que estávamos a caminho para conhecer são muito mais que isso. Elas contam uma história, dá para ver a história em sua silenciosa continuidade e algumas delas ainda são alvo de uso moderno.

Entendida esta parte passei para outra e desta vez envolvendo outros jornalistas na conversa. Quiz saber o que significa o “rangué” de tavarangué. Expliquei que eu suspeitava que “rangué” quer dizer que deu errado? Que ao invés de uma coisa deu outra? Trazer o guarani à tona em uma conversa com paraguaios significa tocar em um assunto que é parte da alma do país. O guarani é falado e entendido por mais de 90% da população. A explicação começa do começo. 

Jesús, lembraram, foi construída para ser a futura capital de todas as missões. Para ser uma “tava” que quer dizer “cidade”. Em guarani, a “futura cidade” seria tavarã (rã é uma partícula de futuro das coisas). Ou seja tava+rã.

O guarani, em sua sabedoria, também tem uma partícula para o passado das coisas. É a partícula “Kue” que se escreve “ngue” depois de som nasal. É mole? O resultado é Tavarãngue! Explicou Shirley: “Jesús foi projetada para ser o centro de todos os povos jesuítas, mas não foi concluída por causa da expulsão da congregação. Por isso o nome quer dizer “cidade que iria ser mas não foi”. Outra tradução desta vez em espanhol é “ciudad que hubiera sido”.

Alguma coisa bateu forte em mim e eu senti um arrepio geral nos braços. Isso acontece quando detecto sentimentos e energias complexas. Me maravilhei. Então Tavarangue não é nome qualquer para um lugar. Assim como Missão Jesus de Nazaré.  É o nome de uma tragédia, de uma realidade, de algo pesado na história das tentativas de colonização na América do Sul, da história humana. No dia seguinte quando finalmente chegamos a Jesús, Richard Gómez, que recepcionou o grupo acrescentou que o nome oficial da antiga redução é “Jesús, apelidada Tavarangué”. Me liguei no “apelidada”.

A segunda informação com carga emocional muito forte veio ainda do Richard Gómez, quando ele disse que Jesús foi estabelecida pela primeira vez em 1685 às margens do Rio Monday, próximo à desembocadura dele no Rio Paraná, abaixo do Salto Monday. Partindo do atual Marco das Três Fronteiras, descendo o rio Paraná, em menos de meia hora, a remo, chegaríamos à área da antiga redução. Se é fácil chegar ao local, hoje, de canoa em meia hora, imagine para os bandeirantes que sentiam o faro de “missões” a léguas de distância. Por isso, a missão adentrou o território espanhol buscando e por fim encontrando um bom local onde ela foi finalmente construída e onde esperava-se que prosperasse. O arquiteto da Missão foi o jesuíta espanhol Antonio Forcada. Forcada, contribuiu trazendo mais um detalhe para a missão de Jesús, a ex- Missão de Jesús del Monday. Forcada se inspirou na arquitetura árabe a influência árabe espanhola, de sua experiência o que faz de Jesús a única Missão em que a arquitetura, em vez de barroca, é mourisca.

O ponto alto da visita noturna foi a projeção de videos sobre as antigas paredes segundo a tecnologia batizada de Mapping 3D. Quando Richard Gómez, o guia oficial convidou o grupo para andar em direção à igreja para ver a projeção, houve um segundo mágico em que, sem aviso, a parede atrás do altar parecia ter ganho vida. Parecia como se estivéssemos a ponto de entrar numa igreja histórica e ativa em qualquer lugar do mundo. Nesse um segundo foi possível cair a ficha de que esta igreja estava no meio da selva, a maioria dos fiéis era de nativos desta selva e que tudo tinha sido construído por eles, as pinturas, as estátuas, a música tudo era produzido, feito, imaginado, pensado, criado ali.

A primeira vista da igreja com a parede na área do altar iluminada manda o visitante para centenas de anos de volta no tempo. Conduzindo o grupo, Lira Hein da equipe oficial do escritório da Senatur e o guia Mbya Luis Miguel Cabral conversam com os viajantes do tempo em castelhano e guarani. Nas mãos, Lira Hein e Luis Miguel carregam uma luminária que aumenta o sentimento de havermos caído em algum lugar na viagem de volta aos inícios de nossa tentativa de criar um modo de vida que apesar dos pesares e afirmações contrárias era considerado justo. Como a missão, esse modo de vida “poderia ter sido,” mas infelizmente não foi. Não posso deixar de pensar neste modo de vida como um “modo de vida_rãngue”. É uma pena.  (Continuará)  

Nota: Em português e espanhol para separar as sílabas de Tavarangue se faz assim: ta-va-ran-gue. Em guarani a separação se dá da seguinte forma: ta-va-rã-ngue. E não me pergunte por quê.

Legenda Foto principal: Jesús: Construída para ser o Centro de todos os 30 Povos Jesuítas das Missões (foto Wikipedia)

*Jackson Lima é jornalista, historiador e escritor, mora em Foz do Iguaçu e autor do http://blogdefoz.blogspot.com/

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