Setor aéreo vive momentos difíceis e de incertezas no Brasil
O setor aéreo no Brasil previa no final de 2019 um crescimento em torno de 9% e a recuperação dos momentos difíceis vividos desde 2016. Mas a pandemia da COVID-19 teve um impacto brutal e em abril de 2020 a malha de voos desabou para 8% da média diária de partidas original. No decorrer do ano houve uma recuperação, mas com o aumento nos novos casos da variante da COVID-19, os cenários para março e abril são bastante difíceis.
Essa é a opinião de Eduardo Sanovicz, Presidente da ABEAR – Associação Brasileira das Empresas Aéreas que apresenta nessa entrevista exclusiva como o setor tem enfrentado essa pandemia. Ele faz também uma análise em relação a tarifa aérea doméstica que é a menor nos últimos 20 anos. Outras informações em relação a chegada das companhias aéreas internacionais low cost para trabalharem no turismo doméstico, os atrasos nos voos no Brasil e as expectativas do setor são abordadas nessa entrevista. Confira.
Revista Hotéis – Qual era o comportamento do setor aéreo no Brasil no início do ano, antes da OMS reconhecer a pandemia da COVID-19, e qual a previsão que se desenhava no ano de 2020?
Eduardo Sanovicz – No fim de 2019, nós prevíamos que o setor em 2020 poderia crescer ao redor de 9%. O cenário que se desenhava, portanto, era o de uma recuperação dos momentos muito duros que vivíamos desde 2016. O impacto foi brutal no pico da crise, em abril, quando a malha de voos desabou para 8% da média diária de partidas original. Depois de julho, com a implementação dos protocolos sanitários, começamos um movimento de retomada sustentado no segmento lazer, pois negócios e eventos ainda não foram retomados. Chegamos a 75% da malha em janeiro, com rotas já retomadas, mas não as frequências. Quando chegamos em fevereiro, com o repique da pandemia e o crescimento da crise, tivemos novamente um recuo para 61%. Os cenários para março e abril são bastante difíceis.
R.H – Qual foi o impacto da pandemia da COVID-19 no setor aéreo brasileiro em 2020? Todos os voos e rotas já foram retomadas? Qual o balanço que faz da performance do setor?
E.S – O setor se comportou de maneira muito valente. Mantivemos uma malha essencial funcionando para manter o País conectado, enquanto no resto do planeta a aviação praticamente parou. E conseguimos repatriar muita gente que havia viajado para o exterior e ficaram sem voo porque a sua companhia aérea interacional parou. Transportamos remédios e respiradores pelo País inteiro. Também gratuitamente transportamos profissionais de saúde e agora milhões de vacinas, além de manter a campanha de transporte de órgãos. Portanto, continuamos cumprindo nossa missão de manter o País conectado, transportando as pessoas, mas a um custo duríssimo e o tamanho do setor obviamente não é o mesmo que no início de 2020.
R.H – As medidas governamentais tomadas para aliviar o setor foram suficientes ou é necessário contar com mais algumas medidas?
E.S – Fizemos um conjunto de medidas, em março do ano passado, com 41 medidas em três grandes blocos. O primeiro foi interno, pouco visível aos consumidores, ligado à redução de custos e revisão de contratos: o mais emblemático foi o acordo que fizemos com todos os sindicatos da aviação, são mais de 20, por meio do qual foi oferecida a estabilidade no emprego por redução de jornada de salários. O segundo bloco, dialogando fortemente com o governo federal e os estados, com o Ministério da Infraestrutura, Secretaria de Aviação Civil (SAC), ANAC, Infraero, Ministério da Defesa, Força Aérea Brasileira (FAB), Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e Anvisa para uma série de ajustes de regulamentação e normas que permitiram a gente continuar voando. O mais visível aos consumidores foi a medida que permitiu que todo mundo que tinha bilhete pudesse remarcá-lo por até um ano sem qualquer custo. Uma terceira frente foi a demanda econômica. Pedimos linha de crédito ao governo federal, que não aconteceu. Cada empresa buscou seu rumo para resolver essa necessidade de caixa no momento em que a demanda despencou, portanto o ingresso de receita também. Cada um achou o seu caminho e estamos superando a crise a duras penas, mas saindo inteiros do lado de lá.
R.H – Quais foram as principais mudanças no setor aéreo em razão da pandemia e como ele teve que se adaptar e ajudar a combater o vírus? Muitas pessoas ainda estão receosas em viajar de avião em razão da segurança sanitária e alguns contestam a venda da poltrona do meio, o que algumas companhias aéreas internacionais, como a Delta, já não fazem. Como você analisa a segurança sanitária nas viagens de avião? É possível não ter a venda da poltrona do meio também no Brasil?
E.S – As principais mudanças nas relações com o consumidor foram os protocolos sanitários. Na medida em que nós temos, e isso está comprovado por estudos nacionais e estrangeiros, o filtro Hepa, que puxa todo o ar de cima para baixo e o renova a cada 3 minutos, captando 99,97% de partículas como vírus e bactérias. Isso faz com que o avião seja o meio mecânico de transporte mais seguro. Hoje nossa grande mudança é manter os protocolos que com certeza vão ficar muito tempo a bordo, sendo que o uso de máscaras o tempo inteiro é vital para a segurança dos passageiros. Portanto, é muito seguro viajar. Sobre a poltrona do meio, não faz o menor sentido. Foi uma contestação que surgiu da imprensa no meio do ano passado e que avaliada do ponto de vista técnico e científico, mostrou que é absolutamente desnecessário bloquear uma poltrona. Não há estudo científico que comprove a eficácia dessa medida, assim como não há essa recomendação por parte da Anvisa.
R.H – Apesar do otimismo nessa retomada, os números de contágio voltaram a subir. Isso preocupa? Já existe um planejamento para isso?
E.S – Sim, a alta dos números de contágio e mortes e o recrudescimento da pandemia sem dúvida nos preocupa. Já anunciamos em fevereiro uma pequena redução da malha. Em março, vamos ter que analisar os números, mas provavelmente teremos nova redução. As tarifas médias seguem em queda, nunca foi tão barato viajar de avião no Brasil e isso, embora possa parecer atraente para quem vai comprar bilhetes, significa que a oferta também cai. Portanto, a crise não gera benefício, só preocupação na medida em que precisamos de vacinação em massa para que as pessoas se sintam absolutamente seguras e retomem suas atividades pessoais, comerciais, eventos, entre outras.
R.H – Dados da ABEAR revelam que a tarifa aérea doméstica tem o menor preço nos últimos 20 anos. Que análise você faz desse quadro? Muito se fala em gargalos que encarecem o preço das passagens aéreas no Brasil. Quais são eles e o que poderia ser feito para reduzir a tarifa aérea e assim a população de menor renda também ter essa rotina de viagem por avião.
E.S – Como é de conhecimento público, a tarifa aérea nos últimos 20 anos caiu pela metade, após a liberdade tarifária. O tíquete médio era de aproximadamente R$ 800 e hoje é de R$ 360, assim como o número de passageiros triplicou: 30 milhões em 2002 e hoje são 100 milhões de passageiros por ano. Portanto, essa primeira parte da missão foi cumprida com muito sucesso. Agora, para que a gente continue nessa rota é necessário enfrentar o preço do querosene de aviação, que no Brasil é um dos mais caros do mundo. Aqui, o QAV é 40% mais caro do que nos Estados Unidos e na Europa. Em segundo lugar, é necessário enfrentar as distorções e diferenças no ambiente de regulamentação e judicial que aqui geram custos que não existem na Europa e nos Estados Unidos.
R.H – Como se encontra os voos internacionais e quais são as expectativas para esse ano? Levará mais tempo para alcançar os bons momentos?
E.S – O impacto da crise sobre os voos internacionais é brutal, estão reduzidos a 10% do que eram antes da pandemia. E há um problema adicional no Brasil que é a consequência da forma pela qual o Brasil enfrenta a crise, pois isso gera notícias muito ruins em todo o planeta e passageiros e voos brasileiros estão com restrição de ingresso em vários países do mundo. Portanto, eu repito que enquanto não tiver vacinação em massa e mudança de patamar da crise no Brasil vamos continuar com problemas para retomar a conectividade internacional.
R.H – Muito se falou no Brasil da chegada das companhias aéreas internacionais low cost para trabalharem no turismo doméstico. Como ficou essa questão? E qual impacto isso pode ter nas companhias aéreas nacionais?
E.S – O Brasil já é há quase quatro anos um País aberto tanto para o capital estrangeiro quanto para a chegada de companhias estrangeiras. Algumas começaram a se instalar por aqui, como a Sky e a Jetsmart, entre outras. Mas a crise fez com que elas recuassem e agora isso precisa ser superado. Isso pode ter impacto para as companhias aéreas nacionais? Vamos ver a medida em que o mercado volte a retomar. Hoje é futurologia avaliar como as lowcosts vão sair da crise porque isso as afetou de maneira bastante violenta também.
A entrevista foi feita e publicada pela Revista Hotéis de Edgar J. Oliveira.
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