Desinformação e preconceito

Esta conceituada revista, que tão boas e interessantes reportagens traz sobre regiões e atrações turísticas do Brasil e do mundo, na edição de abril/2011 caiu em lugares comuns e incorreções ao mostrar os “7 (bons) motivos para ir a Foz”. A começar pelo cabalístico “7”. Por que este número? Nós, que acompanhamos de perto tudo o que se refere ao turismo das três fronteiras (Brasil, Paraguai e Argentina), imaginamos que a reportagem faria referência ao fato de que as Cataratas do Iguaçu estão entre as mais votadas na eleição para as Sete Novas Maravilhas da Natureza, promovida pela fundação suíça New Seven Wonders. O resultado será divulgado ainda este ano e uma referência da revista poderia trazer mais votos para esta atração brasileiro-argentina. No entanto, o que houve foi uma relação de sete motivos aleatórios para se conhecer Foz. Por que sete? Por que não oito, incluindo a usina hidrelétrica de Itaipu, a maior do mundo em geração de energia e que responde por 20% de toda a eletricidade consumida no Brasil? Por que não nove, se também aqui existe o Refúgio Biológico Bela Vista, onde se faz a reprodução de animais silvestres em cativeiro e se pode conhecer de perto a fauna e flora nativas? Ainda em Itaipu, por que não sugerir a Iluminação da Barragem, um espetáculo de som e luzes no mirante central da usina, nas noites de sexta e sábado? Enfim, uma escolha aleatória pode se tornar apenas uma indicação pessoal, sujeita a muitas (sete?) falhas. Mas o pior é a desinformação e o preconceito que a matéria traz. Sob o título “A mesa verde”, informa que é preciso exibir “uma arma ou boa pilha de cédulas” a um motorista de táxi, para que ele o leve a um cassino no Paraguai. É mentira. E mais: os próprios cassinos paraguaios têm serviço de transporte à disposição dos interessados, levando-os de Foz a Ciudad del Este e depois trazendo-os de volta até a recepção dos hotéis. Ciudad del Este tem casas de shows e bares visitados por brasileiros, que apresentam sempre atrações internacionais. Uma delas, por exemplo, foi Caetano Veloso. E todo dia, principalmente nos finais de semana, iguaçuenses e turistas atravessam tanto a Ponte da Amizade, que liga ao Paraguai, como a Ponte Tancredo Neves, que liga à Argentina, para se divertir sem se preocupar com as fronteiras. O mesmo preconceito – aliás, em grau mais alto – aparece no texto “As compras”, onde se diz que o último “produto” (aspas no original) que atravessou a fronteira Paraguai-Brasil foi Larissa Riquelme. Que outras mercadorias seriam então consideradas dignas de nota? Não entram na conta as importações paraguaias de produtos brasileiros, a travessia de soja e outros produtos do Paraguai em direção aos portos no Brasil? E mais: hoje o número de “sacoleiros” brasileiros é insignificante, em relação ao número de turistas brasileiros e argentinos que vão ao Paraguai fazer compras. Além de maior fiscalização, da fixação de um valor máximo para compras no Paraguai e do dólar em queda no Brasil, que torna as importações nossas mais baratas, os ditos sacoleiros têm hoje a opção de se tornarem microempresários importadores, pagando tributos e comprando as quantidades previstas em lei. A reportagem ignorou isto. A repórter preferiu contar a experiência pessoal de ter sido “agarrada pelo braço” e de ter ouvido “cantadas chulas” na sua ida às lojas paraguaias, que ela não considera “programa de mulherzinha”. Faltou talvez especificar em que idioma foram proferidas as cantadas chulas: espanhol, guarani ou português? Vale lembrar que hoje Ciudad del Este recebe novidades internacionais ao mesmo tempo que outros grandes centros de compras do mundo, como Miami e Nova York, onde os brasileiros gastam bem mais para trazer o que temos aqui do outro lado da fronteira. Lojas como a Sax ou a Monalisa, por exemplo, têm tudo o que a brasileira Daslu vende como exclusivo, a preços muito mais vantajosos. Mas a impressão que passa é que, por ser da Editora Abril, como Veja, esta revista também procura, embora de forma mais sutil, repassar informações que, como sempre, resvalam no preconceito contra paraguaios e contra os brasileiros que vivem na fronteira, habitada, sim, por muitas etnias, mas um lugar onde a violência só aparece – como acontece em quase todas as cidades médias e grandes do Brasil -, na periferia, onde as drogas substituem as ações que deveriam vir do Estado. Voltando às compras, por que a repórter não falou também das atrações de Puerto Iguazú, na Argentina? No mínimo, poderia ter feito referência às vinotecas, onde os brasileiros se abastecem dos bons vinhos daquele país, alguns dos quais estão entre os melhores do mundo. E por que não falar do artesanato da fronteira? O Programa Ñandeva resgatou a arte dos indígenas que habitavam antigamente a região trinacional, traduzindo os conceitos para obras que mesclam o ancestral e o moderno na medida certa. Também seria de bom tom lembrar que Foz do Iguaçu tem um comércio forte, o que inclui o maior shopping center do interior do Paraná, com lojas de renome e marcas sofisticadas. Nas dicas finais da reportagem, também podem ser feitos muitos reparos. Foz do Iguaçu conta com restaurantes de padrão internacional, como o citado “Cuisine du ciel”, mas também o Chef Lopez e outros, para gostos variados. E há muitas opções além das citadas na vizinha Puerto Iguazú. Como são sugestões pessoais, embora a revista as assuma, ressalvemos com firmeza a desinformação da nota “O essencial”. A Argentina aceita, sim, como documento de identificação, a Carteira Nacional de Habilitação. A dica nossa é que, quando algum jornalista vier fazer reportagens na região, procure os órgãos oficiais de turismo da cidade. Não para pautar a matéria, para conduzi-la, mas para evitar erros crassos e desinformações. Segundo destino mais visitado por turistas estrangeiros no Brasil, Foz do Iguaçu conta com hotéis e restaurantes de padrão internacional, para atender aos mais exigentes visitantes. Cada vez mais, a cidade se fortalece como um destino de qualidade para lazer, eventos corporativos e ecoaventura, tudo pertinho da beleza das Cataratas do Iguaçu, que dispensam comentários. Aliás, por certo a matéria, bem ilustrada – mas com fotos de arquivo, certamente, já que não contam com créditos – poderá até atrair mais visitantes para nossa região. O problema é que eles já virão com uma impressão deformada. Na mesma edição da revista, serve como (bom) exemplo a matéria sobre a Sicília. De fato, a primeira palavra que nos vem à cabeça quando falamos desta região é a máfia. A matéria mostrou isso, mas também a luta de comerciantes locais para não se renderem à Cosa Nostra, criando um circuito turístico não submetido ao pagamento de extorsão aos mafiosos. Belo exemplo de luta. A fronteira do Brasil com o Paraguai e a Argentina também luta muito para se livrar da pecha de terra da muamba, de antro de terroristas (esta uma bobagem para americano ver), mas ainda falta apoio da imprensa nacional, que talvez seja subjetiva demais e talvez até fizesse Nelson Rodrigues mudar seu bordão.

Gilmar PIOLLA, jornalista, superintendente de comunicação social da Itaipu Binacional e presidente do Fundo de Desenvolvimento e Promoção Turística do Iguaçu – Fundo Iguaçu.

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